EDITORIAL JORNAL DE CÁ, NOVEMBRO 2014
Lembro-me de, quando era miúdo, ter a minha vida regulada por acontecimentos e das
emoções que esses acontecimentos me provocavam. Uns mais que outros, é claro. Muitos
desses acontecimentos eram comuns à maioria dos miúdos. O Natal era um clássico. As
semanas que o antecediam eram quase mais excitantes que o próprio dia em si. A coisa ia em
crescendo, a partir da altura em que começava “a cheirar a Natal”. Antes do Natal já tinha
havido o começo das aulas, outra época de grande importância na minha cronologia de vida.
Ah, e as férias grandes! Sentia-se a meio do 3º período de aulas que as férias estavam a
aproximar-se. Também havia “um cheiro a férias”. Pelo meio destes fatos, as estações do ano
sucediam-se de forma regular, nos prazos estipulados, a marcar a passagem do tempo, e
tinham também o “seu cheiro próprio”. E, depois, havia uma série de datas que eram os meus
“relógios do tempo” pessoais. Curiosamente a data do meu aniversário, pela proximidade do
Natal, nunca teve um “cheiro próprio”. Mas o aniversário da minha mãe tinha. A minha mãe
faz anos no mesmo dia da RTP e a data coincidia com a transmissão do Festival da Canção.
Quando era miúdo a semana que antecedia o Festival era vivida com expectativa, talvez por
ser em Março e já “cheirar a Primavera”. Vem isto a propósito de uma outra data que me
deixava em grande alvoroço. O meu avô telefonava e deixava o aviso: “Então para a semana
conto com vocês cá!”. Em Lisboa já cheirava a Outono com os homens das castanhas a
anunciarem a proximidade do São Martinho e desse magnífico fenómeno que eram aqueles
dias de sol no meio de um tempo cinzento e triste. Hoje o São Martinho espalha dias de Sol
quando lhe apetece e o meu avô já não avisa “que conta connosco”. Mas a verdade é que,
mesmo sem estes avisos, já cheira a Feira dos Santos. No meio da discussão sobre o seu
futuro, quando se procuram soluções e ideias para o seu relançamento, quando se chega a
questionar a sua continuidade, a Feira de Todos os Santos aí está para bem do meu relógio
interno. Qualquer debate sobre o seu futuro tem de passar pelo debate sobre que qualidade e
ritmo de vida pretendemos ter. Queremos que os nossos jovens se orgulhem da sua terra e
ponderem não sair de cá? Queremos que quem nos visita saia na disposição de voltar? Então
estas datas, estas manifestações da nossa identidade não podem correr o risco de extinção. A
grandeza da feira é a medida da nossa grandeza enquanto cidade. Para que perdure no tempo
este magnífico “cheiro a feira” a lembrar-nos que o futuro está aí mas só acontecerá porque
tivemos um passado.
0 Comentários:
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial